sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Carta a um amigo

   Há já muito tempo que não mantínhamos contacto. Apesar de nada te comunicar durante todos estes anos, não significa que toda a minha ideia inicial seria uma fuga a todos aqueles momentos que partilhámos, na cumplicidades das conversas que mantivemos em silêncio nos fugazes efémeros anos em que morámos juntos.
   Vivenciámos experiências que te fizeram evoluir e... Sim... Eu sei... Sempre te considerei melhor que eu e sempre tive o cuidado de to mostrar através de todos aqueles elogios ornamentados entre teias de discussões filosóficas e jogos de palavras e mentais que nos mantinham acordados noites e noites a fio, acompanhadas de desumanas doses de tasqueiro vinho contemporâneo.
   Tu sempre assimilaste tais conversas como vertiginosos pedidos de ajuda e sumariavas todos esse nossos confrontos titânicos numa era em que palavras eram a mais valiosa moeda de troca. Pelo menos no nosso imensurável, compungido, inexorável mundo.
   Esse mundo ermo em que erradicávamos o mundo real expurgando todo o mal 'per se'.
   Existíamos, coexistíamos, num apocalíptico deserto onde nada nos faltava e todas as miragens e quimeras eram um meio eficaz  e benevolente para nunca alcançar um fim.
   Desculpa ter-te abandonado. A culpa nunca foi tua, muito menos minha, foram aquelas ramificações afaníticas, inaudíveis dos medos ilícitos que se tornaram nosso cárcere. Desculpa, Sérgio... Desculpa!...
   O que mais me entristece é o facto de que agora, num falso presente, reside em mim essa ausente força que me levaria a um apaziguador retorno entre duas almas separadas... Perdão, dois pedaços da mesma alma, mas... Não posso!... Não consigo retornar. Por muito que queira no meu imo etéreo, não é possível tão humilde façanha, pois não te reconheço.
   Sei do fundo do meu negro coração que não me reconhecerias tampouco!... Seríamos dois vultos cinza passando lado a lado, ambos na busca do que e de quem nunca encontrarão.
   Um grande abraço, meu prezado amigo e os meus mais sinceros pêsames.

Árion

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Oligodacria

Beatriz, de seu nome
Em prantos perdida
Morre, triste vida!...

Vivo na fome
Imolarei a própria, vem!...
Não haverá mais jogos
De nada servem
As rimas passarão a fogos

A claro d' água
O translúcido de amor e mágoa

Retorno a um vazio
Onde não há tristeza nem alegria
Sinfonia!...
Tombeau fúnebre frio
Oh! Pobre maquia!

Da maquinaria pesada
Alvor sem madrugada

Do amor ao ódio
Em poucos passos
Prazer do ócio
Risonhos pássaros
Emancipados!...
Sêmola de diário pão escasso
Sórdida linha sem traço
Aos monos que enxaguam fados
O fazer! Do que não faço!...

ÁRION

terça-feira, 20 de outubro de 2015

intitulado Alfa

O movimento é cíclico
Consumo-me em meus penares
Engulo-me, esquartejo-me, queimo-me
Privo-me de esgares
Caio vertiginoso num fosso bíblico
Enquanto caio, venho-me!...
Só pensar na plazeroza escuridão
Que me acolhe como demónio
Seu filho pródigo retornado
Desabafo, só, com meu homónimo
O regozijo de um cadáver torturado
O palpitar decadente de um coração
Torpe, negro, sombrio
A morte acaricia-me o rosto frio
Inchado, uma esquelética alva nívea mão
E!... Enquanto me limpa as lágrimas
Secas que vão escorrendo por meu semblante
Sorri tenebrosamente
Expurga-me as máximas
Transfigura-se como um mutante
Ou ilude-me a mente
Liberta-me das dádivas
Das quais nunca fui merecedor
Realidade é uma opção no inferno
Quando um corpo se torna vencedor
Descansando de cansaço num leito eterno!...


Árion

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Olhos cinza

Vendaram-me o regozijo
Numa venda isenta de preço
Pregaram-me, não me vijo
Sofro de dores que não padeço
Passo os dias
Num mundo que desconheço
Sem réstias
Sem modéstias
Sem mestrias!...

Cresce em mim um ímpeto
Um pedido por querelas
Um querer tão perto
Viver por mazelas
É o término do zelo
O fim do poeta
O fim do sê-lo
Só!... Correr sem meta!...

AEDO

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Nequicquam sapit qui sibi non sapit

Obrigado Dante!...
Por guiares mea bea "bella"
Beatriz Portinari
Se descer numa sequela
Depender de um Diabo errante
De licor adocicante
Culpa o "tari",

Lutarei inebriante!...

Até ser necessário
A infernais círculos
Reconquistar o templo percário
De vínculos
Novo ser entre pedúnculos
Tornar-me templário
Seu escudo? Escrúpulos!...

Dar-lhe contos do vigário!...

O que vivo em sonhos?
Que as costas me viras
Merece a dor dos contos
Ser queimado em piras|...
Merecedor do ardor dos monos
Do tempo de Cronos
Seu teatro cantado a poucas liras

Amor!... Fatia-nos às tiras!...


Sérgio Rodrigues